Planalto das Guianas: Um Paraíso Botânico
Na fronteira do Brazil com a Venezuela existem conjuntos de planaltos areníticos tabulares, onde estão situados testemunhos históricos como o Monte Roraima e as serras do Imeri, Uafaranda, Uratanin, Tepequém, Neblina, Pacaraima e Araçá, cuja extensão está limitada ao Supergrupo Roraima, constituindo o que provavelmente já foi a cadeia de montanha mais antiga e elevada do Planeta Terra, com seu topo provavelmente coberto por geleiras, independentemente da ocorrência de períodos glaciais (períodos alternativos de mudanças climáticas quando ocorreram grandes glaciações resultante do abaixamento da temperatura global). Os marcos de cor branca mostrsdos na Figura 1 fazem parte de uma linha que representa o encontro entre duas placas tectônicas que resultou de um processo orogenético ocorrido no Éon Proterozoico, especialmente no Período Riaciano, que se extendedeu de 2,30 até 2,05 bilhões de anos.
No Éon Proterozoico deu-se início a uma colisão entre duas placas tectônicas onde, no extremo de uma delas se situava o atual Extremo Sul da Venezuela e no extremo da outra se situava o atual Extremo Norte do Brasil, comprimindo bacias sedimentares geradas no Período Sideriano, que se extendeu de 2,50 até 2,30 bilhões de anos, evento que recebeu o nome de Transamazônico. Este processo, juntamente com outros que ocorreram ao longo do tempo geológico, inclusive processos de intemperismo, resultou na forma atual do Planalto das Guianas.
Além da beleza cênica e da diversidade de ecossistemas ricos em recursos biológicos, a região apresenta um enorme potencial para o desenvolvimento de projetos multidisciplinares, multi-institucionais e multinacionais. Esta região é um laboratório aberto para o estudo de fósseis muito antigos, principalmente de microbialitos, e observação de espécies vegetais com potencial para produzir um grande número de informações sobre a história da vida no Planeta Terra, permitindo construir conhecimentos sobre as primeiras formas de vida e compreender como mudaram ao longo do tempo, inclusive no que se refere à vida vegetal.
O estudo dos ecossistemas terrestres deve ser realizado através de uma abordagem sistêmica de assuntos que incluem o funcionamento e estabilidade dos ecossistemas do passado mais remoto da Terra, devendo-se considerar a dinâmica da biodiversidade, em escalas de tempo extremamente longas. Devem ser considerados, cruzados e integrados os diferentes conhecimentos multidisciplinares necessários para o entendimento da evolução da biosfera ao longo do tempo de vida do Planeta Terra. O esclarecimento de questões geológicas, biológicas, paleontológicas, geográficas, paleogeográficas, paleoecológicas e paleoclimatológicas são de fundamental importância para o entendimento da evolução das condições ambientais da Terra.
Um dos principais aspectos a ser considerado está relacionado ao fato de que, o surgimento e a evolução dos primeiros seres vivos na biosfera ocorreram num ambiente bem distinto da biosfera atual. No início não havia oxigênio e a radiação ultravioleta presente na radiação solar que atingia o planeta Terra era muito intensa e perigosa para os seres vivos. As tempestades eram constantes e as atividades vulcânicas eram mais frequentes e intensas do que as que se desenvolvem na atualidade.
Os mares primitivos recebiam correntes líquidas ricas em minerais, proteínas e aminoácidos que eram lançados sobre as rochas e postos em contato entre si, criando-se uma diversidade enorme de condições de interação e combinação entre estas substâncias. As proteínas se acumulavam nas águas relativamente quentes combinando–se entre si, com outras moléculas e com elementos que interagiam com elas. Elas se multiplicavam e as moléculas mais simples se combinavam para formar moléculas cada vez mais complexas, como, por exemplo, os ácidos nucléicos, lipídios, açúcares e proteínas
Há cerca de 3,50 bilhões de anos surgem as primeiras moléculas que hoje se sabe estarem envolvidas com a hereditariedade, ou seja, o DNA, o RNA e as proteínas. Primeiro surgiu o RNA, depois o DNA, que se replica, juntamente com as proteínas. Hoje se sabe como estas moléculas se relacionam na maioria dos organismos onde o DNA se replica, originando mais DNA, ou é transcrito originando RNA, que depois gera proteínas. Assim, a vida se origina tendo o RNA, com a função de produção de proteína, como molécula principal, e só depois é que as moléculas de DNA e proteínas assumem o protagonismo no processo reprodutivo.
Os primeiros organismos vivos a surgirem na biosfera a partir deste processo foram os protistas (procariontes) que eram heterótrofos, ou seja, tinham de tirar seus nutrientes (seu alimento) do meio, e não produzindu-os a partir de substâncias mais simples. Eles se especializaram em retirar a energia, necessária ao seu desenvolvimento e reprodução, dos elementos dissolvidos nas águas (silício, ferro, carbono, etc).
A evolução das espécies mais primitivas resultou em organismos autotróficos capazes de fazer fotossíntese. Eles começaram a surgir no final do Eon Arqueano, por volta de 2,5 bilhões de anos. São as cianobactérias e/ou algas azul-esverdeadas (cianofitas). O subproduto principal de suas atividades biológicas é o oxigênio gasoso que começou a ser liberado e se acumular na atmosfera e nos oceanos primitivos do Planeta Terra, poluindo o ambiente aquático durante um significativo intervalo de tempo geológico, embora tenha sido de fundamental importância para o desenvolvimento da vida na biosfera.
Quando estes micro-organismos morriam eles se aglomeravam e se precipitavam no fundo dos mares primitivos que, com o passar do tempo geológico, se transformava em camadas rochosas de cores diferentes, de acordo com a especialidade do micróbio (ferrífero, silicoso, sulfuroso, carbonoso etc.). Quando a espécie predominante era especializada em retirar a energia necessária aos seus processos vitais dos átomos de ferro dissolvidos na água, as camadas depositadas apresentavam a predominância da cor escura avermelhada. Por outro lado, quando a espécie predominante era especializada em retirar a energia necessária a seus processos vitais dos átomos de silício, as camadas depositadas apresentavam uma coloraç clara.
Com o surgimento das cianofitas, o ecossistema marinho primitivo passou a ser poluído pelo oxigênio que passou a oxidar os elementos que serviam de alimento às mesmas, limitando, de forma significativa a disponibilidade de alimento para estes seres. O oxigênio liberado por estes seres microscópicos também apresentava um nível de toxidade significativo para os seres que habitavam o ambiente exposto a ele, o que pode ser considerado como o primeiro grande episódio de poluição ocorrido na biosfera, resultante das atividades dos habitantes do Planeta Terra, independentemente de suas consequências para o desenvolvimento futuro de outras formas de vida.
As primeiras evidências diretas de vida multicelular no Planeta Terra estão relacionadas com o aparecimento dos primeiros exemplares da Fauna de Ediacara há aproximadamente 650 milhões de anos. A grande diversificação das algas ocorreu entre o Cambriano (543 a 490 milhões de anos) e o Siluriano (443 a 417 milhões de anos).
Entre o Período Ordoviciano médio e Siluriano inferior (490-430 milhões de anos), a alta taxa de oxigênio dissolvido na atmosfera favoreceu a formação de uma camada de ozônio que passou proteger os seres vivos do Planeta Terra dos perigosos raios ultravioletas contidos na luz do Sol. Este aspecto, associado ao fato de que as condições climáticas eram suficientemente amenas, pois, a rotação da Terra em torno do seu eixo, que sofreu um aumento brusco de velocidade logo após o choque com o corpo celeste deu origem à Lua, já havia assumido um valor suficiente baixo para que um dia durasse um período superior a 20 horas. Isto permitiu que as tempestades fossem menos violentas, favorecendo as condições necessárias para o aparecimento e evolução dos primeiros espécimes da vida vegetal no Planeta. Inicialmente surgiram as algas que evoluíram para musgos e depois para plantas vasculares, ou seja, aquelas dotadas de um sistema circulatório.Após a evolução para o grupo de plantas do tipo pteridófitas vieram as gimnospermas, ou seja, as plantas sem flores, como por exemplo, os pinheiros.
O grupo de plantas do tipo pteridófitas surgiu no Período Devoniano (417 a 354 milhões de anos) que, conforme citado acima, foram os primeiros vegetais a apresentarem um sistema de vasos para conduzir os nutrientes necessários para sustentar seus processos vitais. Além de possuírem raiz, caule e folha, o caule desse grupo de plantas é geralmente subterrâneo, denominando-se rizoma. A samambaia e a avenca são exemplos de membros desse grupo de vegetais, sendo possível a observação de várias espécies destas plantas, nos dias de hoje, no Planalto das Guianas, o que pode ser comparado com uma situação envolvendo a existência de fósseis vivos. A espécie Archaeopteris é considerada como uma das primeiras árvores a povoarem os ecossistemas terrestres Durante este Período as plantas com sementes apareceram juntamente com as primeiras florestas e mantiveram seu predomínio ao longo do Período Carbonífero (354 a 290 milhões de anos), contribuindo, de forma significativa, para a formação de grandes depósitos de carvão fóssil que estão espalhados por diversas regiões do Globo Terrestre.
No Período Triássico (248 a 206 milhões de anos) as ginkgoáceas, as coníferas e as cicadáceas se expandem e se diversificam. Com a explosão de espécies que se estendeu até o período Jurássico (206 a 144 milhões de anos) ficou caracterizada a era das gimnospermas, que são plantas com sementes não contidas em um ovário. Também ocorreu outro evento que merece menção, o aparecimento da sanmiguelia, considerada a mais antiga angiosperma.
No Período Jurássico (206 a 144 milhões de anos) a flora é dominada pelas bennettitales, caytoniales, ginkgoáceas, e coníferas. As araucárias têm uma distribuição bastante extensa, tendo sido encontrados fósseis desde a Groenlândia até a Antártica, o que pode ser tomado como uma evidência de que as condições climáticas eram bastante semelhantes nas várias regiões do Planeta Terra.
No início do período Cretáceo (144 a 65 milhões de anos) há uma rápida proliferação das angiospermas, as plantas com as sementes dentro de um ovário, cuja principal característica está relacionada com suas flores.
Preservar a integridade dos ecossistemas globais mantendo-os num estado saudável de funcionamento é um desafio para as sociedades de todas as nações do Planeta Terra. As pesquisas relacionadas com este assunto devem incluir uma abordagem sistêmica envolvendo o funcionamento e a estabilidade dos ecossistemas ao longo do tempo geológico. Os Profissionais envolvidos com esta área do conhecimento devem estar comprometidos com a avaliação do espaço-temporal da biodiversidade e da integridade dos ecossistemas que compõem a biosfera, o lar da humanidade.
José Levi Felisberto de Oliveira é Engenheiro Eletricista com Pós-Graduação/Especialização em Tecnologia Nuclear, Engenharia de Petróleo, Docência do Ensino Superior, Consultoria Ambiental, Gestão e Manejo Ambiental na Agroindústria e Regulação da Indústria do Petróleo Gás Natural e Biocombustíveis, atualmente exercendo a função de Consultor Técnico da Coordenadoria de Informação e Documentação da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).