Imagine provar um mel que traz à memória o cheiro de terra molhada após a chuva ou o aroma de flores frescas no meio de uma floresta exuberante. Essa foi a experiência que participantes do Primeiro Curso de Sommelière de Méis do Brasil, promovido pelo Instituto 4e, em São Paulo, viveram. Entre eles, três capixabas representaram o Espírito Santo, desbravando o universo sensorial e gastronômico do mel de abelhas nativas e exóticas.
O Brasil é o país com a maior diversidade de méis do mundo, produzido por mais de 300 espécies de abelhas sem ferrão, cada uma com características únicas espalhadas de norte a sul do território. No Espírito Santo, já foram catalogadas 39 dessas espécies, incluindo a “Melipona capixaba” ou Uruçu Capixaba, uma espécie endêmica e exclusiva das montanhas do Estado.
O Espírito Santo no Centro das Atenções
Wilton Montebeller, gestor ambiental e meliponicultor (associado às Associações AME-ES e AMECAP-ES), Adriana Pessotti, meliponicultora associada e fundadora da AME-ES, e Camilla Zanotti Gallon, bióloga e também meliponicultora associada à AME-ES, são apaixonados pela atividade e participaram do 1° Curso de Sommelière de Méis. A experiência trouxe um olhar renovado para a meliponicultura capixaba, destacando não apenas a diversidade dos méis, mas também as inúmeras possibilidades que o Espírito Santo oferece, graças à riqueza de seus biomas únicos, como a Mata Atlântica.
Wilton Montebeller destacou a excelência da formação:
“Saber identificar as diversas informações agregadas que um mel chega ao consumidor final, desde a qualidade na coleta até o armazenamento, foi enriquecedor. Identificamos aromas e sabores únicos que seriam quase impossíveis de perceber sem um direcionamento e treinamento intensivo.”
Muito Além da Doçura
Se você acha que mel é só doce, prepare-se para se surpreender. Durante o curso, os participantes degustaram mais de 80 tipos de méis, identificando notas cítricas, florais, amadeiradas e até aromas que remetem a capim e terra molhada. Adriana Pessotti compartilhou:
“Com a Roda Sensorial de Aromas e Sabores de Méis, conseguimos usar termos adequados para descrever as nuances de cada mel. Isso foi transformador.”
Já Wilton Montebeller ficou impressionado com o impacto das abelhas nativas no produto final:
“As nativas conferem ao mel uma assinatura enzimática única, criando uma infinita diversidade de sabores. São méis multiflorais de biomas com uma grande diversidade de néctar, pólen e resina, e que irão caracterizar os aromas e sabores do mel.”
Wilton Montebeller avaliando os méis e praticando a experiência sensorial de aromas
Gastronomia: O Palco do Mel Nativo
Um dos pontos altos do curso foi descobrir como o mel pode brilhar na gastronomia. Sob a orientação do chef Gabriel Vidolin, os participantes aprenderam a harmonizar méis com pratos sofisticados. Wilton Montebeller relatou:
“O mel das nativas é perfeito para finalizar pratos salgados, como carnes de sabores marcantes. Hoje, consigo analisar sensorialmente um mel e saber exatamente onde ele vai se destacar.”
Adriana Pessotti também expandiu seus horizontes:
“Agora vejo o mel das nativas como um ingrediente com possibilidades infinitas na cozinha, muito além do que imaginava.”
Camilla Zanotti destaca:
“As combinações gastronômicas são promissoras, inclusive para drinks. Tem mel com notas de jasmim e rosas, outros mais frutados cítricos com notas de pêssego, amadeirados, resinosos, e até mesmo sabor salgado que lembra queijo maturado como parmesão, ou gorgonzola.”
O Terroir dos Méis Capixabas
Os méis produzidos no Espírito Santo não são apenas deliciosos; eles carregam a alma do lugar de onde vêm. Biomas diversos, como as florestas da Mata Atlântica e as restingas costeiras, influenciam diretamente os sabores e aromas. Camilla Zanotti explica:
“Com as características florais e enzimáticas das abelhas nativas, cada mel produzido no Espírito Santo é único, refletindo o terroir e a biodiversidade de cada região, um diferencial fundamental para a caracterização de uma indicação geográfica para o mel.”
Espécies como a Mandaguari Preta, a Tubuna e a Uruçu Capixaba produzem méis que já receberam prêmios nacionais, colocando o Espírito Santo no mapa dos melhores méis do Brasil.
Adriana Pessotti compartilhou com orgulho:
“Em 2023, o mel de nossa abelha mandaçaia (Melipona quadrifasciata anthidioides) ficou em 2º lugar em concurso nacional realizado no Rio de Janeiro e, numa simulação de concurso durante o curso, ficou novamente em 2º lugar.”
A Tubuna (Scaptotrigona bipunctata) é outra abelha a ter o Mel destacado que ficou em 1º lugar na simulação de concurso no curso de sommelier.
Já o mel Uruçu Capixaba (Melipona capixaba) também apresenta características bem marcantes, e quando for possível produzir esse mel para comercialização tenho certeza que ele vai surpreender, principalmente devido essa abelha ser exclusividade do nosso Estado, relata Adriana Pessotti..
Camilla Zanotti descreve:
“Para você ter uma ideia da complexidade sensorial do mel da M. capixaba, ele tem um sabor inicialmente frutado que evolui para amendoado, com notas de amendoim! Uma preciosidade sensorial! E não para por aí, pois muito da percepção sensorial do mel depende também da florada predominante da região onde foi coletado o néctar, o que imprime notas sensoriais adicionais que se revelam com o processo de maturação do mel.”
Camilla Zanotti avaliando os méis
Camilla Zanotti também destaca que o Espírito Santo abriga outras espécies de abelhas sem ferrão que produzem méis excepcionais, como a Uruçu Amarela, a Jataí, a Mandaçaia, a Borá, entre outras. Esses méis são reconhecidos por sua sofisticação e proporcionam uma experiência sensorial única, revelando a riqueza e diversidade da meliponicultura capixaba.
O Futuro Brilha com Ouro Líquido
Mas e o futuro? O curso de Sommelier de Méis é apenas o começo de uma revolução. Wilton Montebeller já está colhendo os frutos:
“Após o curso, recebi encomendas de méis capixabas de estados como São Paulo, Paraná e Minas Gerais. O mercado está começando a reconhecer nosso valor. Além disso, sou grato ao Instituto 4e” pelo trabalho minucioso de 4 anos para elaborar esse curso, me surpreendendo com o que nos entregaram de conhecimento.”
Adriana Pessotti, por sua vez, destaca um ponto crucial:
“Para o mercado crescer, precisamos de regularidade na produção e parcerias fortes na cadeia produtiva. O potencial está aqui, basta aproveitá-lo.”
As variações de tonalidades entre os tipos de mel
O mel de abelhas nativas vai muito além de ser apenas um alimento, ele encapsula biodiversidade, sustentabilidade e cultura em cada gota. Valorizá-lo é proteger os biomas brasileiros, impulsionar a economia local e oferecer ao mundo uma experiência única e marcante.
A formação de sommeliers de méis atende à crescente demanda dos mercados nacional e internacional, refletindo o reconhecimento da importância gastronômica e nutricional desse produto. Tanto os méis de abelhas sem ferrão quanto os de Apis vêm sendo cada vez mais apreciados como alimentos nobres e sofisticados, capazes de agregar valor à alta gastronomia.
Camilla Zanotti, natural do Espírito Santo, formada como Sommelière de méis
Adriana Pessotti, natural do Espírito Santo, Sommelière de méis
Com um papel técnico essencial, os sommeliers ajudam a promover méis e seus derivados – como própolis e pólen – em eventos de gastronomia, feiras especializadas, parcerias com chefs, restaurantes e consultorias, além de fomentar o desenvolvimento de novos produtos. Essa valorização técnica e cultural fortalece os meliprodutos capixabas, consolidando sua posição no mercado gourmet e abrindo portas para exportação, turismo gastronômico e experiências sensoriais exclusivas.
O Espírito Santo, com sua rica diversidade de abelhas nativas e cobertura botânica, destaca-se como um polo de produção de méis marcantes. Essa diversidade de abelhas é fundamental não apenas para a produção de mel, mas também para a polinização de culturas importantes como café, urucum, pimenta rosa e diversas frutíferas, contribuindo para a qualidade e a abundância dos alimentos. A interação entre a biodiversidade local e a meliponicultura cria uma sinergia que fortalece o ecossistema e garante produtos alimentares mais nutritivos e saborosos.
Embora a atividade ainda esteja em crescimento, a formação de sommeliers de méis surge como um divisor de águas, trazendo novas perspectivas e oportunidades para a valorização do mel, especialmente o de abelhas nativas. Com essa união de tradição, inovação e preservação, o futuro do mel capixaba é promissor e brilhante – um verdadeiro tesouro que encanta os sentidos e protege a natureza.
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